DIA #6

DIA #6

Os sonhos parados [ou A TV é mais importante do que comida]

Tan-Tan Plage (Marrocos) – Marsa (Saara Ocidental) [320 Km]

Nesta viagem, havia um dia que era inconveniente para passar a fronteira do Saara Ocidental para a Mauritânia. Com o atraso de praticamente dois dias por causa da tempestade em Algeciras, a nossa chegada à referida fronteira ia coincidir exactamente com a data que estávamos a evitar. Ou conseguíamos encaixar 3 etapas em 2 dias, ou teríamos de atrasar mais um dia. A primeira opção era praticamente impossível sem conduzirmos à noite e, por isso, tendo em conta o perigo dessa opção, optamos por atrasar um dia. Este abrandamento tornou as viagens menos pesadas, mas um pouco mais desconfortáveis porque queríamos passar o mais rapidamente possível as fronteiras da Mauritânia.

Há quem compare a execução de tarefas com engolir sapos. Algumas pessoas preferem engolir os sapos mais pequenos primeiro enquanto outras preferem começar pelos sapos maiores. Nesta viagem, confesso que gostaria de começar por comer o sapo feio, enorme, mal-cheiroso e não cozinhado, que é passar as fronteiras da Mauritânia.

Abrandar uma viagem é afastar o destino. É aumentar a saudade daquilo que ainda não conhecemos. É ter a ilusão do controlo e acreditar que os passos que ainda não demos são mais importantes do que aqueles que nos colocaram onde estamos. 

O Saara Ocidental é um território cujo controlo é disputado pelo Reino de Marrocos e pelo movimento independentista Frente Polisário. Surpreende por, apesar de ser uma zona desértica, ser bastante desenvolvido e com excelentes estradas, todas sem portagem. Somos frequentemente parados pelas autoridades, mas reiniciamos a viagem sempre sem grandes problemas. É visível uma forte presença militar, especialmente na zona dos fosfatos, onde existe um enorme muro de betão a proteger a sua extração.

Nos últimos dias temos visto muitas pessoas paradas no deserto. Algumas estão à espera de transporte, outras estão juntos dos seus animais, enquanto muitas parecem estar hipnotizadas.

Há uma história muito interessante no livro “Poor Economics” de Banerjee and Esther Duflo sobre um homem em Marrocos que não tem o suficiente para comer e que, quando lhe é dado algum dinheiro, a primeira coisa que faz é comprar uma televisão. Esta parece uma decisão irracional, mas, no caso de pessoas em que a linha do horizonte é a única coisa que têm, a televisão torna-se mais importante do que a comida. Alguns estudos mostram que, depois de terem o “básico”, o dinheiro é normalmente “bem-gasto”. O que nos parece irracional, só o é porque não nos colocamos na pele e no contexto da pessoa que diariamente que apenas sobrevive, sem viver.

Muitas das pessoas paradas, que parecem hipnotizados, são jovens. Nenhum país e nenhum futuro se constrói sem os jovens. A paixão que os jovens conseguem colocar nas suas acções é uma energia ímpar. É necessário empoderar os jovens. Não podemos ficar à espera de que sejam adultos para ser ativos; não podem ser vistos como cidadãos em construção, mas como cidadãos plenos. É importante trazê-los para a acção; uma acção que, citando Hoover, não seja apenas de lutar as guerras que os mais velhos declaram.


Música do dia: Tim Buckey – Song to the Siren