DIA #9

DIA #9

Como se formam as dunas? [ou O efeito borboleta]

Birgandouz (Saara Ocidental) – Nouakchott (Mauritânia) [557 km]

As dunas formam-se a partir da acumulação de areias num pequeno obstáculo. Tudo começa com a resistência de um pequeno grão à vontade do vento. Atrás dele muitos se juntam. A partir desse momento, por cada grão que é arrastado, pelo menos outro chega e substitui o anterior. No início, é importante a teimosia do primeiro grão, mas depois, a resistência só é possível se nenhum grão de areia se considerar superior. Nem o primeiro grão. Muitas revoluções começaram com um acontecimento menor, e todas as grandes mudanças começam sempre com um passo. Nunca se deve subestimar a importância de um grão.

O efeito borboleta é uma teoria do caos que diz que o bater de asas de uma borboleta pode criar uma tempestade do outro lado do planeta. Eu prefiro dizer que uma boa acção, independentemente do sítio onde foi praticada, pode multiplicar-se num bem maior em todo o lado. Acredito no poder das coisas pequenas, desde que continuadas.

Saímos do Barbas pelas 8h, ainda na escuridão. A ansiedade que tinha sido embrulhada junto das t-shirts foi vestida. Já só faltava 1 hora até à fronteira.

A entrada na Mauritânia faz-se pela Terra de Ninguém. São cerca de 5 km num campo com minas terrestres, onde não há lei nem ordem, em que a paisagem são carros explodidos. Por cada carro explodido, há uma mina a menos. Há cerca de 3 anos, na primeira viagem da Ambulance for Hearts, ficamos lá aterrados e, se não fossem uns Tuaregues ajudarem-nos, provavelmente ainda lá estaríamos.

Desta vez o percurso fez-se sem qualquer sobressalto. Não se pode dizer que a estrada estava boa, mas, pelo menos, havia estrada e, ou os carros explodidos foram cobertos de areia, ou já não estavam lá. Quem será que limpa a terra de ninguém? 

Passou-se a fronteira sem grandes problemas. Sem grandes problemas, nesta realidade, quer dizer com saúde. Aqui, todos nos pedem um “cadeaux” para os seus filhos. Certamente porque cada dia merece ser festejado.

O caminho até Nouakchott impressiona pela dureza das condições das povoações por onde vamos passando. Casas com telhados de zinco, no meio do deserto, e todas de uma pobreza que ainda não tínhamos encontrado.

Somos parados com uma frequência infinita pelas autoridades, pedindo-nos as nossas fichas informativas e o “cadeaux”, que vamos negando. As fichas informativas são um documento “caseiro” com o número de passaporte, nome e profissão dos passageiros e informações sobre o veículo. Num quilómetro chegamos a ser parados 3 vezes. 

Nouakchott, a capital da Mauritânia, fervilha de movimento, ruído e caos. O trânsito faz-se de forma líquida. Por onde dá para passar, passa-se. Estou certo que a Blatt apareceu nas notícias locais como sendo o único carro a tentar fazer perpendiculares. A poluição aqui vê-se, sente-se e mastiga-se. 

Duas situações marcaram-nos profundamente. Um invisual a tentar atravessar numa rua caótica e um idoso a rastejar pela terra suja para se movimentar. Ninguém deveria rastejar. 

Ninguém!

Retirar a dignidade a qualquer pessoa é retirar a dignidade a toda a humanidade. É importante todos juntos continuarmos a bater as nossas asas para criarmos uma tempestade de dignidade para todos.


Música do dia: Gem Club – Marathon