03 Abr Catió #2
O problema não é da manta [ou Os vizinhos da rua que tem 5000 km]
Uma das frases que ouvi em Catió, que até hoje mais me marcou foi que os vizinhos eram a família mais próxima. Esta frase surgiu depois de ter perguntado a um professor como conseguia sobreviver estando há mais de 6 meses sem receber salário. Referiu-me que a partilha é a única forma de sobrevivência. Todos se ajudam, mas os vizinhos têm um papel essencial.
Mas até onde podem estar os vizinhos? Será que podem estar para além da nossa rua, mesmo quando esta muda de nome, continuando para além do cruzamento ou da curva apertada?
A “Na Rota dos Povos” tem encolhido o espaço que existe entre a Guiné-Bissau e Portugal, fazendo-nos vizinhos de um povo com quem partilhamos numa aprendizagem mútua. A presença da “Rota” faz-se por toda a cidade. Placas toponímicas, o logótipo no depósito de água do hospital, as frequentes conversas das pessoas com quem nos cruzamos, a “Casa da Mamé” e mais recentemente, o Centro de Educação Especial e Terapêutica.
Nos diários desta viagem abordaram-se muitas áreas problemáticas como, por exemplo, a pobreza, a diferença, o bem-estar animal, o desperdício alimentar, a segurança rodoviária e o desenvolvimento sustentável. Para algumas pessoas é essencial a ordenação dos problemas e da consequente acção. Para se ordenar algo é fundamental definir-se uma métrica. No entanto, esta definição acarreta um perigo quando a ordenação se torna o primeiro passo para excluir. Com isso não quero dizer que não deve haver um plano de acção e uma priorização do que se deve ou se pode fazer, mas é importante aceitar outras métricas.
Quando nos deitamos e temos uma manta curta temos de tomar uma opção. Se quisermos cobrir a cabeça, temos de destapar os pés, mas grande parte dos problemas não são consequência de uma manta curta. Há manta suficiente para todo o mundo, embora nem todos queiram ceder um pouco do seu pano. Devemos, no entanto, destapar a ideia que todas as acções são igualmente importantes e que a perfeição existe. Apesar disso, continuo a acreditar que a acção é o principal passo. Até porque acções geram acções.
É ainda essencial voltar a reforçar que um mundo melhor só poderá ser construir envolvendo os nossos jovens na acção, mas antes disso é essencial saber ouvi-los. Independente da métrica, ouvir os jovens é uma acção prioritária.
Muito obrigado a todos os que foram acompanhando os diários e que têm, independentemente da forma ou local, contribuído para um mundo melhor através da sua acção.
Música do dia: Bob Dylan – The Lonesome Death of Hattie Carroll