DIA #2

DIA #2

A hipótese de Gaia [ou Abandonar o coração]

Monastério (Espanha) – Algeciras (Espanha) [285 km]

Temos a tendência de avaliar os planos pelos resultados. O mundo torna-se muito mais fácil de explicar quando o analisamos de trás para a frente. É o equivalente a definir as metas depois de lá chegarmos; tudo parece óbvio depois de ter acontecido. Curiosamente, de forma oposta, não nos apercebemos que grande parte das oportunidades a que temos acesso, são-nos oferecidas pelo sítio onde nascemos e pela família que nos recebeu. Sem querer retirar o mérito da equação do cálculo do sucesso, é importante reconhecer que o factor sorte é determinante na nossa vida. 

Chegamos com muita antecedência a Algeciras para saber que todos os ferries daquele dia tinham sido cancelados. Foi a informação mais exacta que recebemos durante dois dias. Apanhamos o #TemporaldeLevante mais duro dos últimos anos. Os funcionários do Puerto Bahía de Algeciras acreditam que nada é mais importante do que as perguntas e, por isso, foram-nos deixando confor-tavelmente sem respostas. 

Uma das soluções que nos apresentaram era consultarmos regularmente uma aplicação que indica-va o posicionamento dos navios. Se estivessem parados queria dizer que não estavam a circu-lar. Foi a informação mais coerente que nos deram durante dois dias. O que não nos souberam dizer foi, no caso de começarem a circular, o que poderíamos fazer para viajarmos neles. Disfarça-damente, abanei a aplicação.

Neste tipo de viagens, como na viagem da nossa vida, os imprevistos são inevitáveis. Curiosamen-te, nunca aparecem quando os esperamos. Por isso, ficamos surpreendidos com este inesperado contratempo. Só estavam previstas surpresas uns dias depois. Quando alguma coisa se intromete nos nossos planos, facilmente nos queixamos. No nosso caso, tínhamos de procurar um quarto onde ficar [Famílias inteiras tiveram de ficar a dormir no porto] e atrasar a nossa viagem um ou dois dias [Muitas das famílias não tinham qualquer informação de quando poderiam atravessar o mar]. Certamente por ver todas aquelas pessoas a dormir no chão, e pela proximidade do mar que está-vamos a tentar atravessar, apesar de tudo com toda a comodidade e segurança, apertou-se-me o coração ao imaginar o que seria atravessar aquela água revoltada, feita de lâminas geladas.

Mais de 1% da população mundial é refugiada e 40% destas são crianças. É triste sentir que é im-portante referir que um refugiado não é alguém que está à procura de melhores condições. Como se a procura de melhores condições não fosse um motivo suficientemente válido para atravessar fronteiras. Um refugiado é alguém que foi obrigado a fugir de sua casa. Se a nossa casa é onde o nosso coração está; abandonar a casa é deixar-nos para trás.

Metaforicamente, penso a espécie humana de forma semelhante à Hipótese de Gaia, como se cada um de nós fosse parte de um organismo gigantesco. Nesta perspectiva, vivemos num mundo estranho. Vivemos num mundo em que o pé não se importa com a mão, porque ao contrário dele, não nos leva para lado algum; a mão não se importa com a boca porque dificilmente agarra sem mastigar; e a boca não se importa com o pé porque, para chamar, tem de se aproximar.

Só seremos verdadeiramente humanos quando sentirmos o outro. Sentir o outro é sentirmo-nos. É sermos um todo na nossa diversidade  
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Música do dia: Elvis Presley – If I can dream

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