15 Fev DIA #4
O homem que era feito de areia [ou Quando o infinito não chega ao topo da montanha]
El Aouamra (Marrocos) – Marrakech (Marrocos) [512 km]
Havia um homem que era feito de areia. O homem que era feito de areia vivia numa terra em que todas as outras pessoas eram feitas de rocha. Ser feito de rocha é ser-se firme e robusto, podendo crescer tão alto que se olha para as nuvens de cima.
Ser feito de areia é poder fugir com o vento. É poder ser construído a partir de mil rochas e ser reordenado sem perder consistência. É viver quebrando os seus sonhos em pedaços tão pequenos que se podem tornar no que se necessita em vez do que se deseja. É permitir deixar passar a água salgada das lágrimas e agarrar apenas a água de que somos feitos. É ter-se todas as cores misturada em consistência. É, a partir do pequeno, ser-se grande.
O homem que era feito de areia gostava muito de falar com as pessoas feitas de rochas. Sentia que aprendia muito com elas, mas o que mais gostava era realçar que não há areia no topo das montanhas.
Ser feito de areia é viver-se extremado. É viver junto à água ou viver-se na sua total ausência. O homem que era feito de areia, confessava que era feito de deserto. Sabia isso porque não deixava sombra por onde passava. Os desertos, ao contrário das areias, são todos mais ou menos iguais, dizia. O que muda é quem sufocamos.
O homem que era feito de areia dizia que tudo o que não se tem tempo para contar é infinito. Por isso, ser feito de areia é ser feito de infinito. Um infinito que não chega ao topo da montanha porque não há areia no topo das montanhas.
Música do dia: Danny Elman – Ice Dance (Edward Scissorhands)